Hoje o céu está mais encoberto do que o de costume; está muito cinza, e está caindo uma tempestade horrível. Mas não é uma tempestade como estamos acostumados a ver; é uma tempestade de pesadelos, ventos de desespero, chuvas de angústia e enxurradas de lamentos.
Essa é a realidade paralela, aquela que as pessoas fingem que não vêem, porque é mais cômodo. Talvez fosse melhor se o grau de abertura da minha visão fosse um pouco menor; assim eu não teria que ver tudo isto.
Mas existem muitos iguais a mim vagando por esses escombros de vidas espalhados pelo chão. Chão que, além dos cadáveres jogados, tem também coisas muito mais importantes que se perderam. A fé, a esperança, o altruísmo, o amor incondicional, o reporte ao divino, dentre tantas outras coisas que não poderiam estar aqui jogados.
Mesmo apoiado em pedaços de pilastras, o vento que bate em mim é tão forte que quase me carrega. Ele traz a descrença, a desgraça, o inútil, a blasfêmia, a falta de pudor, o egoísmo, a ganância... Tudo chega de uma forma que me deixa quase surdo, de tantos gritos que ouço. Reflexo do que o passado fez com as pessoas, ou melhor, do que as pessoas fizeram no passado e continuam fazendo no presente.
Até quando ninguém vai notar? Até quando todos ficarão submissos à essa sensação de repreensão que a sociedade traz consigo? Até quando as pessoas continuarão insistindo em viver como se seu “mundinho” maravilhoso fosse tudo na vida? Até quando...
Existe tanta gente perdida aqui, que não sei para onde estender os braços. Não posso abrir os dois ao mesmo tempo, pois o único que abriu seus braços ao mundo e se entregou completamente ao resgate, foi nosso mestre crucificado. E Ele é perfeito; jamais qualquer um de nós pode sequer imaginar que poderia fazer um milésimo do que Ele fez. Estamos a milhões de quilômetros de uma perfeição relativa; o que ainda nos colocaria a milhões de quilômetros da perfeição absoluta.
Mas aqui, a briga é forte. Só os mais fortes foram jogados aqui, por decisão própria, para fazer a busca das luzes perdidas. Mas todos nós sempre nos fazemos a mesma pergunta: porque eu? Nós não nos lembramos da escolha, do local, de quando, de nada... Só sabemos que escolhemos nosso destino aqui.
Caminho tortuoso, pedras arremessadas pelo vento à toda hora em nossos rostos, uma chuva que queima nossa pele como se fosse combustão, mas não consome. Gritos ecoando por todos os lados, e o silêncio nunca chega. São tantos os lamentos, que é difícil escolher por onde ir, escolher onde queremos chegar primeiro. Agora não tem mais volta, o túnel se fechou quase completamente; só vejo por ele um mínimo raio de luz atravessando, que vem da minha eterna inspiração, que ficou onde é mais seguro para ela. Onde ela é feliz.
Mas não adianta mais eu ficar apunhalando meu coração com essas lembranças que me fazer ter vontade de voltar no tempo, e fazer tudo diferente. Nada mais pode mudar, assim como vou carregar as lembranças comigo pra sempre, mas elas não podem mais me ajudar, pois minha inspiração já desconhece minha existência.
Continuo caminhando, valas sem fim e profundas, sentimentos obscuros e decadentes me perseguindo por todo lado, atraídos pela luz que carrego; mas nem todos eu posso ajudar, muitos terão que reconstruir tudo novamente, do zero, para edificar um templo digno.
Assim como aqui estou, começando do zero novamente, meu trabalho da eterna busca da luz, que eu já encontrei, mas não tive capacidade de conviver com ela.
Continuo com as águas do desespero escorrendo pelo meu rosto, em meio à essa tempestade que parece não ter fim; preciso continuar no chão, até que mereça novamente minhas asas.
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